domingo, novembro 23, 2008

SINTO MUITO


EXCERTOS

Na história da minha existência estão cravados os anos que passei nos EUA como especialista em neuro-oncologia pediátrica. Era um dia-a-dia de derrotas, em que mesmo as vitórias não podiam ser inteiramente celebradas, porque a eminência de uma recaída pairava até ao fim da vida. Um dia sugeri que a nossa equipa usasse uma t-shirt com o lema: it is so sad, porque era a frase que mais vezes repetíamos ao longo do dia. Muitos me perguntavam como era possível conviver diariamente com o desgosto. A resposta é simples: é um privilégio poder conhecer a humanidade no seu melhor, na Coragem, mas sobretudo no Amor.

Outra vez, uma avó a quem anunciei o estado terminal do seu neto pequenino olhou-me nos olhos e disse em castelhano, com sotaque sul americano: espero, doutor, que tenha uma vida muito longa, e que sofra todos os dias a mesma dor que me causou. Ainda hoje essa maldição me faz estremecer. Porventura injusta, tinha na sua raiz a sensação de que tinha traído a esperança em mim depositada. Se não se pode insultar Deus, que se mande para o Inferno o homem que deveria ser a Sua mão.

Quero-lhes agradecer. A todos. Falo dos doentes que durante anos tive o privilégio de conhecer e de tratar, de quem tanto recebi. Foram-se os nomes, na memória restam imagens, como fotografias que o tempo, pouco a pouco desvanece.

É preciso afirmar aquilo em que se acredita. É preciso usar as grandes palavras: fé, amor, vergonha, coragem. É preciso dizer paixão, mais que a razão, redime e nos torna em Santos. E sem pudor dos afectos, confessar que SINTO MUITO.


É um livro que revela uma humanidade impressionante. Nuno Lobo Antunes fala dos próprios medos de uma forma tão simples, mas apaixonante. Somos totalmente aborvidos pelos seus desabafos. A carreira brilhante não lhe retirou a sensibilidade que achamos que os profissionais de saúde acabam por perder, como se fosse uma consequência.

Há no médico o desejo de ser santo.